Deus não conta dinheiro

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trevo de quatro folhas

Dedos cruzados. Dezenas de pessoas se acumulando na porta de um supermercado para ver quem ganharia o tão desejado prêmio. De crianças remelentas até velhos boa pinta paravam para assistir e torcer.
Não importa quanto dinheiro tinham, o negócio era ficar ali parado com o bilhete na mão (e tomara que fosse o bilhete da sorte), podiam possuir cinco ou mais carros zero na garagem, mas é claro, não tinham aquele (bem inferior), mas ainda sim aquele, que agora era famosinho e almejado por tantos. A ânsia de sair na foto como ganhador talvez fosse realmente o maior prêmio.
O fato é que o locutor do sorteio narrava mais animado que Mestre Zulu em época de carnaval e o dj contratado remixava qualquer coisa envolvendo o nome do estabelecimento, até que jogaram os papéis para cima e pegaram um ainda no ar. O tempo parou por uns dez segundos e a tensão aumentou.
Anunciaram “Eduardo” e logo a multidão se esvaia pelas ruas num burburinho comum, cidade pequena é assim, não precisa sobrenome e todos já sabem. Maria, que tinha o nome em homenagem a santa, era uma das poucas que ainda permanecia ali e foi a primeira a comentar com a amiga Edwiges:
- Meu tempo rezando foi todo perdido. Precisava de mais um, meu Deus? Custava deixar para quem precisa? É realmente incrível como certas pessoas são egoístas, quantos carros ele já têm mesmo? Nem deveria ter concorrido.
- Realmente, egoísta. Ah, como eu precisava daquele carro. O meu já tem dois anos. - argumentou Edwiges.
- Você? Eu precisava e ainda preciso. Meu marido não me empresta o dele e meu filho se apossou do meu.
E seguiram uma discussão interminável enquanto o ganhador ficava gravado em cada flash. Logo vieram os repórteres e a multidão que não estava tão longe assim, voltou às pressas. O ganhador vai falar.
Eduardo era doutor, muito bem nascido. Charmoso e espirituoso não desfazia de ninguém e, quando a repórter perguntou, disse sem nem pensar:
- Vou fazer um novo sorteio, em prol do hospital da cidade.
O barulho aumentou. Um misto de aplausos e vaias.
- Que exibido. É um absurdo – disse Edwiges
- Dessa vez eu ganho. Dessa vez EU ganho – Maria afirmou com o terço na mão. 

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