Teimosia

09:47

andar arame farpador ir onde avisam que não deve

Era teimosa e, no interior, era tão teimosa quanto uma porta. Vivia para contradizer os outros porque não acreditava facilmente em quase nada além de suas próprias verdades. Talvez gostasse mesmo é de ser do contra.
Se diziam que tinha um talento natural para matemática, pode apostar que escreveria um livro de trezentas páginas banais só para provar que estavam errados. Escondia objetos só pra dizer que não os viu. Pegava as roupas da irmã, que nem serviam, só pra ver a outra ralhar.
E assim cresceu. Entrou na faculdade. Foi estudar matemática, porém odiou chegar sempre aos mesmos resultados que os colegas e desistiu. Foi estudar português e a reforma ortográfica a condenou, trancou essa também. Se formou em artes (lá tinha liberdade de expressão), mas foi trabalhar como secretária.
Conseguiu um emprego, por causa de sua mãe, que era amiga de alguém que conhecia outro alguém. Não era uma secretária comum, era pessoal. Um cargo de confiança.
Tinha tudo para ter um bom relacionamento com todos na empresa, mas era teimosa demais para concordar com qualquer coisa que não fosse a cor dos próprios sapatos. Discordava com a data de entrega dos relatórios, com o método do sistema operacional que usavam, com a posição da sua mesa, com a nova colega de trabalho e até mesmo com o toque do telefone.
Não foi convidada para o primeiro happy hour, nem para o segundo, em seguida perdeu as festas da empresa e as reuniões importantes. Discordava em ser deixada de lado, mas era teimosa demais para fazer qualquer coisa que pudesse mudar a situação atual.
Perdeu várias funções e de secretária pessoal passou a ser somente vista como “a filha da amiga do amigo do chefe”. De cargo de confiança à cargo de favor. Perdeu o respeito e tudo o que viria com ele. Restou apenas o que sempre foi: a personificação da teimosia.
Não tinha amigos e dava pena. No entanto, como seria de outra maneira? Era rude e nunca se desculpava. Julgava sempre estar certa. A única que ousava discordar de vossa autoridade era a mãe. Em vão, pois a menina nunca admitia ser a causadora da própria desgraça e as tentativas da mãe só fizeram culminar no afastamento dela também.
Eu poderia dizer que a teimosia dela teve fim, mas estaria mentindo. O que teve fim foi a história, que só repetiu parágrafo após parágrafo até deixar nossa protagonista na mais profunda solidão e revolta. Quando alguém não consegue reconhecer seus erros, se fecha neles e os repete em reticências. Note que o “felizes para sempre” sempre vem antes do ponto final.

         

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