Sobre meus próprio pés

03:37

 cadeira de rodas abandonada no parque

Morava em mim. Confesso que nunca tive alguém tão presente em minha vida, mas agora sentia que essa proximidade estava me desfazendo pouco a pouco.
Lentamente uma parte de mim se esvaia, me deixando. E imaginava toda ela substituída pela escuridão.
Eu não sabia quanto tempo teria então conviveria com essa angústia pelo resto dos meus dias. A escuridão habitando um lugar tão profundo e meu onde vários médicos não sabiam chegar. Seria eu tomada pelas sombras?
Quanto tempo uma pequena vela pode suportar? Quantos cômodos ela é capaz de iluminar sozinha? Ah, sozinha. Eu estava sozinha quando aconteceu, quando essa escuridão me tomou.
Mas não. Eu não seria totalmente escuridão. Nem todo mal é inteiramente mal. Eu teria minha vingança. Daria o troco na vida e no que ela havia me tirado. Ainda que não fosse feliz, faria com que outros fossem. Sei que muitos se perguntariam porque eu ria tanto com tantos motivos para me lamentar. Mas, eu não me importava. Não faria o que essa doença quer.
E nesses meses, em que a minha vingança começou, ouvi dizerem o quanto eu era uma pessoa iluminada. Logo eu, a pequena vela! Eles não enxergavam a escuridão dentro de mim, ela estava trancada e eu não a deixaria sair, mesmo que me consumisse.
Acreditei por muito mais tempo do que alguém pode aguentar, que a luz fora de mim afugentaria os tentáculos dessa doença maligna para que não alcançasse os olhos de ninguém. Que não os pegaria, que não tiraria deles o mesmo que tirou de mim. Acreditei até perceber estar exposta.
Mesmo limitada eu costumava sair. Com o sol ainda fraco no céu o vento no rosto me fazia tranquila. No entanto, nessa manhã, não fora assim. Ele estava no parque próximo a minha casa e me olhava. Não era cumplicidade, estranheza, ou ainda, pena. Era algo que eu não conhecia apesar de tantos anos.
Olhei nos seus olhos e soube. Além da luz, onde médico algum alcançara, ele enxergava. Ele via a escuridão. Baixei os olhos e dei meia volta.
Ele correu até mim. Eu não podia correr. Disse tantas coisas, eu disse tantas outras. Eu não podia correr e agora sei porque.
O acaso não existe. Nenhuma folha cai se não for o seu destino e os caminhos não se cruzam porque homens construíram estradas. Não, eu não sei se um dia estarei de novo sobre os meus próprios pés. Sei somente que estarei onde deveria estar. Porque todos tem a Deus, mas nem todos tem fé.


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