Independente

01:51

mulher dirigindo carro

Abriu a porta bem devagar. Olhou para um lado, depois o outro. Checou se havia pegado tudo o que precisava para só depois cruzar a porta. Pé ante pé ela seguiu sorrateira. Desejou que não a tivessem visto.
Pensou todo o tempo em desistir, em voltar atrás e esquecer essa ideia maluca. Mas, não podia. Seria um insulto à sua inteligência, um insulto à sua própria independência. Não, sem dúvida ela não podia desistir agora. Estava tão perto...
O portão à sua frente mais parecia um muro sem fim, prisão da qual os vizinhos eram carcereiros. Mas, ela sairia. Sairia hoje!
Lá estava ele, bem à sua frente. Seu convite para escapar do cativeiro. Entrou no carro, bateu a porta, apertou o cinto e girou a chave. O barulho do motor era o som da liberdade.
Ah, o som... Não poderia esquecer de ligar o rádio com a música preferida... Qualquer uma entre MPB e rock das antigas, para afastar os pensamentos ruins. Falava sozinha as vezes, mas quem é que não fala?
Agora deveria abrir um pouco o vidro, precisava respirar. Lembrou novamente que era um erro. Soltou uma bufada de ar pela boca e pegou no volante. Ouviu um ruído inquietante.
Era o Sr. do 204, uma casa para baixo da sua. Com aqueles olhos de águia, estranho seria se conseguisse sair completamente invisível. Ele se aproximou e perguntou onde ia, sozinha, montada no possante. 
Ela apenas revirou os olhos e pegou firme no volante (como se agarrada a ele pudesse fazer desaparecer a vontade louca de estrangular o amistoso vizinho). Com certeza acabaria por deixar o velhote falando sozinho... Isso se não fosse o imprevisto seguinte.
O vizinho do 202. Esse não era velho, na verdade era bem mais novo que ela. Era um dos amigos arruaceiros do seu marido (marido que aliás, achava que também tinha 20 ainda). Ficou plantado, de pé, analisando o capô do carro. Ora, mas se nem havia saído do lugar!
Agora não poderia mesmo sair dali. Estava cercada. Esperou um movimento para o lado, mas foi engano. O 202 só abaixou para conferir melhor a lataria.
Eis que vem o 205 correndo com o celular na mão. Chamou o SAMU e o marido, por via das dúvidas ligaria pro bombeiro. E nem adiantou explicar que não havia movido um milímetro do lugar...
De repente, uma buzina contínua e a batida inevitável. O 203 acertou em cheio a traseira do possante. Do possante parado! Melhor nem imaginar a cara do marido quando visse seu brinquedinho amassado.
A rua era agora uma bagunça de gente que não acabava mais, vizinhança toda reunida. Há quem diga que mulher é quem dirige mal, que mulher é fofoqueira. Mas, tinha mais homem ali do que qualquer avenida “famosa” de São Paulo. 
Estavam todos em volta dela quando resolveu acabar um escândalo com outro maior. Pisou fundo no acelerador e cantou pneu. Pra onde foi, ninguém sabe. Mas, até hoje o povo lá na rua comenta quando uma mulher passa na direção.     

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