Um pingo de cor na cidade cinzenta

18:32


pai e filho brincando de guerra de travesseiros

Com sotaque arrastado e nome bíblico, sentado em um pequeno canto de uma cidade inquieta. Ele não sabe, mas eu o vi e também ouvi. Em meio ao som de buzinas e pedintes, uma pontada de esperança através de um celular.
Senti, naquele momento, todas as possibilidades de uma história a se passar. Ele poderia ter tantas experiências, mas só exigia uma que já lhe era comum:
- Afasta o celular. Quero ver o seu rosto.
Do outro lado da tela, olhos brilhantes e voz ansiosa revelavam que logo a espera valeria.
A saudade e a distância de um lugar tão diferente e alegre se mostravam intensos. Alguém que deixou a própria família para cuidar de uma parte importante de tantas outras.
Existem poucas coisas de valor. Pude aprender com ele, em segundos, que há muito mais no rosto de uma criança do que escondem os cartões postais.
Uma pessoa, que poderia passar facilmente despercebida, vai de alguma forma, me fazer sempre lembrar da cidade cinzenta com um pingo de cor.
O contraste perfeito para toda a miséria e negligência presentes lá fora. Naquele momento, os assaltos, drogas, fome ou frio, simplesmente tiveram fim.
Talvez, se houvessem mais como ele, a ilusão insistisse por tempo suficiente e acabasse virando realidade.
Eu tentei não rir quando o ouvi contar sobre robôs gigantes e personagens de Star Wars. Tentei não rir quando falou de presentes incríveis e caixas bonitas. Tentei não rir quando pediu para brincar de luta, vídeo game, assistir Netflix e comer pizza... Tudo ao mesmo tempo, em um curto fim de semana. Eu tentei não rir, mas desisti. A felicidade me venceu como venceu o pequeno garoto de olhos brilhantes.
Sei que ele não vai ler e, mesmo que um dia lesse, acredite: nunca vai saber dizer sobre quem escrevi.
Ele não é do tipo que almeja reconhecimento. Ele só quer algo que todos nós temos e não sabemos aproveitar.

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