Lixo

03:50

sofá rasgado

Um céu infinito numa tarde degrade onde qualquer humano vale tanto quanto qualquer animal. Andava pela rua despreocupada como o domingo que era, olhava para um lugar além do que se podia ver, talvez para mim mesma em um espelho imaginário. Olhava para qualquer lugar que não fosse aquele no qual tropecei.
No meio do caminho tinha um sofá, tinha um sofá no meio do caminho. Não era poesia, não era abstrato, era real e ocupava um espaço que não era dele, nem meu, nem seu. Era uma calçada, pública, que não era de ninguém e era de todo mundo também.
Deixei ele lá, não podia carregar. Andei mais um pouco. Percebi que não era só um sofá, mas era uma geladeira, uma mesa, um fogão. Velhos e abandonados, sozinhos em ruas avessas e aleatórias, cada um na sua.
Tantas coisas que ninguém queria mais e jogava fora. Fora da sua casa, fora do seu alcance. Como se pudesse evitar pela eternidade tropeçar novamente naquela peça jogava fora porque não o queria mais. O amor por aquele objeto tinha acabado.
Era triste e inquietante. Não existia sequer uma paisagem inalterada por objetos incomuns. Me perguntei então: “Onde fica isso que se chama fora?”
Fora é um lugar idealizado, cheguei à conclusão. Onde é fora exatamente se não dentro do nosso mundo e fora dos nossos olhos? A paisagem fica distorcida com tanto lixo humano. Está tudo dentro, dentro do mesmo planeta. Fora é apenas onde largamos as coisas para que não nos incomodem mais.
Estamos tão acostumados a jogar as coisas fora. Jogamos nossos objetos, nossos animais, nossos familiares, nossos amigos, nossos amores. Jogamos fora tudo aquilo que nos cansa ao longo do tempo. Enjoamos das coisas que nós mesmos compramos e jogamos fora. Enjoamos das brigas comuns entre amigos e familiares e ficamos sem nenhum; enjoamos daquele amor que cultivamos por tanto tempo e perdemos até o amor próprio restando apenas o orgulho afetado.
Acostumados à monotonia dos dias não queremos nos ocupar reciclando objetos e jogamos fora todos eles. Fazemos o mesmo com aquilo que mais amávamos, como se fosse a vida descartável.
Torna-se tedioso mudar a nós mesmos e preferimos simplesmente nos livrar. Casamos e descasamos nos livrando de todas as promessas. Adotamos animais e nos livramos deles e do dever que assumimos de cuidá-los. Jogamos fora nosso tempo, nossos anos e a existência do que chegou neste mundo antes de nós.
Vira lixo aquilo que nosso coração e mente não aceitam. Vira lixo aquilo que não se encaixa mais na nossa vida mesquinha. Vira lixo e jogamos fora os problemas, os pesares como se não os vendo deixassem de existir.

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