Tempo para que?
06:03
Dias
atrás eu comecei a reparar num efeito estranho da vida. Estava em uma mesa de
bar quando o vi chegar. Sentou-se à mesa ao lado e olhava impacientemente para
os quatro cantos enquanto suas bochechas pareciam dobrar de tamanho.
Eu via
seu rosto se deformar a cada segundo que passava. Queria que aquilo parasse,
pois me atormentava muito. Mas não parava. Teve um momento em que eu juro ter
pensado que o cidadão iria explodir.
E
absolutamente ninguém parecia notar o mesmo que eu; todo o resto parecia alienado
a sua expressão carrancuda. Fiquei observando por mais um tempo, completamente
tensa.
Alguém
tinha que fazer alguma coisa antes que fosse tarde. Então o garçom se aproximou
e eu pude ver a carranca se desfazer pouco a pouco, um segundo depois. Ufa, foi
por pouco, pensei.
O mesmo
aconteceu na terça-feira na fila do banco. Todos sentados com suas senhas na
mão. Olhávamos atentamente no visor acima de nossas cabeças. Ele apitava,
trocava números, e nos fazia levantar e caminhar até os caixas numa corrente sem
fim.
Mas algo estava errado novamente. Uma mulher
dessa vez. Balançava os pés, levantava, andava de um lado para o outro. O rosto
todo enrugando. E agora? Quem devo chamar? Os guardas, talvez?
E por milagre de qualquer que seja a entidade
divina que você acredite, um moço vestido com camisa social e crachá caminhou
apressadamente para o outro caixa, apertou um botão e o visor ditou a vez.
Olhei aflita para o visor e depois para a mulher. Seu rosto aliviou e foi
calmamente alcançar o caixa, no qual ficou por pelo menos quarenta minutos.
Notei isso acontecer mais um milhão de vezes, não
que eu tenha contado, mas aconteceu. No supermercado, no semáforo, na
faculdade, na balada, no hospital, na vida que segue desgovernada e sem tempo
pelas ruas afora.
Nem sei
quantas rugas possuo. Mas quantas você acha que os anos que tenho agora me
permitiriam? Com certeza, muitas. Com certeza, alheias.
Como
senhores do nosso próprio universo, queremos tudo, menos tempo. Queremos
dinheiro e filas que nos esperem chegar para pagar a conta sem esperar cinco
segundos. Queremos garçons educados que nos esperem com o pedido que ainda nem
fizemos. Queremos tudo, e não queremos ter mais tempo para gastar com pequenas
coisas. Porque ainda se tivéssemos tempo, nos arrastaríamos pelas horas
procurando chegar a todos os lugares ao mesmo tempo, sem perceber que tínhamos
tempo para ver o tempo e dizer: “Que tempo bom este tempo de hoje.”
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