Alforria
14:43
Estou fazendo as minhas malas e quando acabar será como se nunca
estivessem aqui. Cada objeto colocado nelas é arrancado na mesma proporção de
algum lugar incerto dentro de mim. Porque todo fio de esperança está emaranhado
em um novelo da prateleira mais alta que eu não posso alcançar.
Então eu vou. Vou juntar os cacos novamente. Eu sempre acho que
não vai dar e no fim nem me lembro mais da dor, da humilhação. Tudo passa e se
torna tão pouco.
- Ridícula! – penso esnobe sobre os acontecimentos anteriores.
Tantas futilidades. E porque aquilo era tão importante? Não é
mais. Deixei pra lá. Deixei pra lá tanta coisa que hoje é difícil me apegar a
momentos, de lembrar detalhes. Remendos são mesmo assim. Costura, cola... Tanto
faz! Só dá um jeito de manter tudo no lugar, aquele pedacinho nem faz falta.
Por fim, velharias são vintage e bagunça é arte moderna.
As portas se fecham e parada ali, observando-as por apenas um
segundo, tento absorver mais daquele ar como se fosse possível guardar o
suficiente para respirar por uma vida. Eu me lembro dos planos. Me lembro de
tudo o que discutimos e queríamos.
De repente percebo que ninguém é realmente livre. Estamos sempre
nos prendendo a algo com medo de não saber bem o que fazer com a nossa
liberdade. Eu não estou presa a ele. De qualquer forma, se estivesse, sinto que
presa a ele sou mais livre. É a segurança que me passa e que some quando me
deixa. Mas, não importa. Sem essa frescura de ficar explicando e lamentando os
fatos.
Dinheiro e poder sempre ditou as regras. Dinheiro e poder sempre
dividiu as pessoas em classes sociais. Dinheiro e poder sempre definiram onde
estamos e onde poderemos chegar.
Não posso mais ficar aqui e ele, tem
que ficar. Por isso vou. Minha liberdade foi vendida a muito tempo e, hoje em
dia, ninguém mais se importa com a lei Áurea. O texto é curto, as palavras
abstratas... Pois quem sabe o quanto ainda resta de liberdade sobre nossas
expressões.
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