Sobrar
16:14
Os pés na areia e a mente vazia. Quem vê a garota que corre na
praia não imagina o quanto seus calcanhares doem. Ah, eu pude sentir quando
tentei.
Assim é o nosso sofrimento, nossas angústias. Ninguém mora dentro
de ti pra saber o quanto lhe custa um sorriso. Ninguém sabe a sua dor até
passar pela mesma situação.
Há os que julgam pela cor ou pela orientação sexual, os que julgam
pelo dinheiro ou pelo modo que pronunciamos as palavras. Todos estão prestes a
lhe apontar os dedos até sentirem arrebatadora tristeza como a sua ou a minha.
O quão esperto você é? Diria muito, diria pouco? Mais ou menos do
que seu professor ou que seu chefe? Seria então honesto quando respondesse?
Como seria imparcial na decisão?
Talvez a razão e os bons costumes lhe deem certa vantagem para
análise. Mas, de fato, quem lhe deu o poder supremo da “condenação/absolvição”?
Estava eu em meio a conversa, ouvindo sem ser convidada ou sequer
afastada, não tão atenta até que o assunto passou de diálogo comum à
qualitativo e de qualitativo à depreciativo.
Tomei cuidado para não passar frente ao grupo e acabar entrando no
assunto sem querer. Mas ouvi, ouvi claramente que a moça era extravagante
demais, que o moço era gordo demais, que a criança berrava demais e aos poucos
todos no ambiente sobravam de alguma forma. Somente eu (agora escondida) e aquele
pequeno grupo permanecíamos blindados.
Eu poderia pensar em meia dúzia de adjetivos para cada um do grupo
e logo eles se tornariam tão ruins quanto as coisas que saiam de suas bocas. No
entanto, pensei, minhas palavras ofensivas não poderiam fazer alguém pior. Não
realmente.
Um amontoado de palavras em frases não mudam ninguém, só servem
para rotular. Eles não mudaram nada nas suas vidas e muito menos nas de quem
julgaram. Não deram uma roupa melhor para quem julgavam estar mal vestido, não
melhoraram a aparência ou saúde de quem julgaram estar fora de forma e não
alegraram a criança que chorava. Não moveram um só dedo que não fosse para
apontar defeitos. Nenhuma solução saiu dali.
Ignoraram o sofrimento, a angústia, a alegria, o ânimo ou qualquer
outro sentimento que existia dentro das outras pessoas. Ignoraram aquilo que
não podiam ver e talvez nunca vejam. Não se fizeram valer por motivo algum, não
serão lembrados e, tampouco esquecidos. Os seus julgamentos por fim,
sobraram.
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