Dona tampa
03:40
Eu
tenho medo. Medo de perder você. Medo de viver com medo. De ser a outra, de me
esquecer dos meus gostos me lembrando dos seus. Medo de acreditar quando deveria
desconfiar. Medo de desconfiar quando deveria acreditar. Medo de seguir e,
ainda sim, medo de ficar.
É esse
medo que me arrasta. Um mar que me afasta de mim mesma na margem e me atrai
para as inúmeras possibilidades em meio à tormenta.
E você?
Onde está seu medo? Dizem que as pessoas sem medo vivem melhor. Mas o que
restaria de nós se não fosse o medo para nos impedir, na insanidade, de abraçar
a morte? Restaria apenas o orgulho, sorrindo a vitória como Coringa.
Seu
orgulho bobo reflete meus olhos implorando para que nunca me deixe aqui. Esse
seu orgulho que logo se transformará em egoísmo.
Você
sabe o que acontece com o egoísmo. É um sentimento que de alguma forma me
lembra cigarro. De fumaça tão espessa e cinzenta que logo se mescla ao ar e o
deixa sozinho. Você vai inflar seus pulmões e logo não conseguirá mais fazê-lo
sair. Será completamente como ele: cinzento, sozinho e, ainda pior, vazio.
Bem
conheço uma pessoa vazia quando vejo uma. As pessoas vazias vagam por aí
enchendo-se de qualquer coisa, alienados. Sugando outras pessoas na ânsia de se
preencher. Trocam todos os sabores pelo amargo, todos os cheiros pelo que lhes
parece doce, horas de sono por noitadas, seu lar por aventuras itinerantes, um
único amor por muitas bocas.
Já
peguei diversos psicólogos tentando explicar estes “desvios comportamentais”.
Alguns dizem que é “curiosidade”, outros que é “instinto”. Chamo de vazio. São
potes enormes de nada vagando pelo mundo.
Para
estes enormes potes de nada (como também é com as panelas) existem tampas
grandes e pequenas perdidas por aí. Quando alguma, distraída, acha que se
encaixa muito bem no “pote de nada”, pumba! O enorme pote vazio começa a se
encher. Enche-se de novo com o orgulho, egoísmo e agora com as lágrimas da
“dona tampa”.
Acontece
que, por vezes, o pote vai ficando tão grande que pende a tampa. Ela, coitada,
não consegue mais se soltar e fica lá até que alguém seja firme o suficiente
para salvá-la. Mais firme do que ela conseguiu ser até agora.
Não, a
culpa não é do pote. É sua sina. Ser vazio na vida. A dona tampa é que tem que
ficar esperta. Lamentar-se, pensar que nunca encontrará alguém melhor, afirmar
para si mesma que depende de panelas e potes é que é loucura.
Moral
da história: Frigideira independente não precisa de tampa e escolhe se quiser.
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