Invertendo papéis

08:36

mulher em mesa de bar igualdade das mulheres e homens

Veio pelas ruas dobrando esquinas rapidamente. Buzinou dez vezes em cinco quarteirões.
- Tinha que ser mulher! - exclamou ao dar passagem a um gol branco que saia do estacionamento.
A irritação fazia parte das suas manhãs assim como o café nosso de cada dia. O cansaço transparecia em rugas bem marcadas e respiração vacilante. Dava pra ver o espaço entre seus cabelos e a ansiedade em suas unhas roídas.
Não era para menos. Vivia para trabalhar. Queria reconhecimento, mas o que sobrava eram horas em banco para tirar. Nunca tirava.
Chegou em casa chutando cadeiras e perguntando sobre o almoço. Sentou-se sem dizer mais uma palavra e, em pouco mais de trinta minutos, já havia acabado a refeição e deixado a louça na pia.
Foram mais cinco quarteirões até o trabalho, à mesma maneira como havia chegado em casa. A sorte do dia atendia pelo codinome sábado.
Último dia de trabalho da semana. Logo começaria tudo outra vez, mas não importava. Tinha ainda o fim de semana para aproveitar.
As horas passaram voando, em contrapartida, voltou para casa enfrentando o trânsito lento. Abriu a porta e encontrou o marido já de pernas para o alto.
Os filhos se penduravam na mesa, escalavam a geladeira e reviravam cômodas. Esse não seria um fim de semana para descanso, afinal. O marido, já cansado da anarquia, havia desistido.
Ao abrir o armário da cozinha percebeu que ele havia desistido também de fazer as compras. No quarto, de arrumar a cama. No varal, de lavar as roupas. Parou por aí, achou melhor não verificar o banheiro.
Pegou novamente às chaves, a carteira e saiu. Foi a pé. O bar era logo ali.
Contou ao garçom sobre a vida, sobre a desigualdade dos salários, reclamou do preço da cerveja e do marido ingrato. Debruçou no balcão, ergueu a mão e pediu mais uma.
Ninguém sentou ao seu lado. Não se fica ao lado de uma mulher assim. Até o garçom arregalou os olhos quando ela afirmou que largaria tudo. E iria largar tudo hoje: os filhos, o marido, a casa... A casa, ia requerer parte depois, com o advogado. Detalhes, eram apenas detalhes negociáveis. Seu marido, interesseiro e orgulhoso que era, ia aceitar facilmente o divórcio com alguma proposta e ela se livraria dele rapidinho.
Jogou alguns trocados no balcão e saiu cambaleando, trombando nas mesas e rindo à toa. Mexeu com uns dois ou três caras bombados na rua. Afinal, aquela regatinha e short deveriam ser proibidos!
Os caras só abriram passagem, se entreolharam e se afastaram com medo. Ela não se importava.
- Moles! – gritou e riu novamente.
Seria um novo dia amanhã. Domingo! Quem sabe não marcava uma pescaria com as amigas?

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